O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) surgiu, no final da década de 90, com o compromisso de lutar, ao lado dos excluídos urbanos, contra a lógica perversa das metrópoles brasileiras: sobram terra e habitações, falta moradia. A especulação imobiliária transforma terra urbana em promessa de lucro e alimenta o processo de degradação humana, o caos urbano. Em que cidade não se encontram apartamentos vazios, prédios abandonados, terrenos na periferia à espera da valorização? Em qual centro urbano não há mendicância, morador de rua, submoradias?
O MTST tem como um dos seus objetivos combater a máquina de produção de miséria nos centros urbanos. A ocupação de terra, trabalho de organização popular, é a principal forma de ação do movimento. Quando ocupam um latifúndio urbano ocioso, os sem-teto resistem contra a lógica difundida como natural de que pobre nasce, vive e morre oprimido. Não aceitam a espoliação que muitos chamam de sina. Ao montar seus barracos de lona preta num terreno vazio, essas famílias cortam a cerca nada imaginária que protege a concentração de riqueza e de terra nas mãos de poucos. "
Os sem-teto agem de modo organizado. As ações envolvem de cem a duzentas famílias, que se instalam no local escolhido e informam às autoridades que passarão a viver ali, mesmo em condições precárias, até que lhes seja propiciada uma opção de moradia.
A maioria dos participantes do Movimento dos Sem-Teto são trabalhadores que não tem condições de pagar um aluguel, mínimo que seja, ou que não querem morar na periferia, pois não tem recursos para pagar aluguel e transporte até seus postos de trabalho. Há entre os sem-teto trabalhadores que ganham no máximo um salário mínimo, e muitos desempregados.
Já a má distribuição de terra no Brasil tem razões históricas, e a luta pela reforma agrária envolve aspectos econômicos, políticos e sociais. A questão fundiária atinge os interesses de um quarto da população brasileira que tira seu sustento do campo, entre grandes e pequenos agricultores, pecuaristas, trabalhadores rurais e os sem-terra. Montar uma nova estrutura fundiária que seja socialmente justa e economicamente viável é dos maiores desafios do Brasil. Na opinião de alguns estudiosos, a questão agrária está para a República assim como a escravidão estava para a Monarquia. De certa forma, o país se libertou quando tornou livres os escravos. Quando não precisar mais discutir a propriedade da terra, terá alcançado nova libertação. Com seu privilégio territorial, o Brasil jamais deveria ter o campo conflagrado. Existe mais de 355 milhões de hectares prontos para a agricultura no país, uma área enorme que equivale aos territórios de Argentina, França, Alemanha e Uruguai somados, mas só 72 milhões são utilizados, ou seja, 20% dessa terra têm algum tipo de plantação, enquanto os Estados Unidos detêm 270 milhões de hectares e utiliza 175 (65% das terras aráveis). No Brasil cerca da metade dessa terra destina-se à criação de gado.
Analisaremos então o conceito de desigualdade e as origens desta sem deixarmos de lado os fundamentos e as funções dos grupos que defendem mudanças. O problema dos sem teto e dos sem terra no Brasil é muito maior do que nos aparenta e vem carregado de fatos históricos que muitas vezes não é de conhecimento popular, nos tornando assim críticos alheios ao verdadeiro problema.
O conceito de exclusão é alvo de grandes debates e sua empregabilidade em estudos científicos e técnicos tem proporcionado a elaboração de quadros bastante valiosos de realidades díspares, sobretudo, porque permite a comparabilidade/diferenciação entre o que é ser/estar incluído socialmente e o que é ser/estar excluído, identificando os percursos, as condições históricas e as conseqüências desse processo.
Para estabelecermos um ponto de partida acerca da intensificação dos processos sociais excludentes, podemos verificar a obra do pensador francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Em “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens” publicado em 1755, Rosseau identifica dois tipos de desigualdades, quais sejam, a primeira, considerando as diferenças entre sexo, raça, idade e condições de saúde e, a segunda, considerando aspectos morais e políticos presentes na estrutura organizacional das sociedades permitindo o estabelecimento de uma clivagem essencial para garantir a coexistência de poderosos e fracos, ricos e pobres. Estabeleceu-se, portanto, formas antagônicas vinculadas ao progresso da humanidade, na qual a riqueza (material e representada) também produziu uma série de iniqüidades que se traduziram em pobreza.
Considerando a formação social brasileira, é importante ressaltar que os processos sociais excludentes estão presentes desde os tempos coloniais, contudo se tornaram mais intensos durante o período de ditadura militar.
“As desigualdades e os processos sociais excludentes vinculam-se ao temário geral do conceito de exclusão social. A sua emergência se dá, portanto, a partir da década de 1970 com o agravamento desses processos desiguais e excludentes nos países capitalistas diante da crise econômica mundial e das conseqüências advindas da adoção de políticas macroeconômicas neoliberais associadas às inovações tecnológicas.”
A nova exclusão social passa a ser retratada como manifestação de novos tipos de desigualdades como aqueles não-contemplados por políticas sociais de inclusão existentes, pelo desemprego estrutural generalizado, pelo aumento dos moradores de rua que caracterizam uma das formas de exclusão dos direitos humanos (o direito à moradia), formas de precarização do mundo do trabalho e de rendas insuficientes bem como os problemas relacionados com o advento da insegurança social ocasionada pela explosão de diversas formas de violência.
Nesse contexto agravam-se as dificuldades das classes que são alvo de nosso estudo - os sem teto e os sem terra -. São extraídos de políticas neoliberais e excludentes, movimentos hoje considerados “terroristas” pela maioria da população. Para falar sobre a trajetória do MST é preciso falar da história da concentração fundiária que marca o Brasil desde 1500. Por conta disso, aconteceram diversas formas de resistência como os Quilombos, Canudos, as Ligas Camponesas, as lutas de Trombas e Formoso, a Guerrilha do Araguaia, entre muitas outras. Fruto de um momento de opressão e grandes desigualdades, em janeiro de 1984, ocorre o primeiro encontro do MST em Cascavel, no Paraná, onde se reafirmou a necessidade da ocupação como uma ferramenta legítima das trabalhadoras e trabalhadores rurais. A partir daí, começou-se a pensar um movimento com preocupação orgânica, com objetivos e linha política definidos. Completando quase 30 anos de existência, o MST entende que seu papel como movimento social é continuar organizando os pobres do campo, conscientizando-os de seus direitos e mobilizando-os para que lutem por mudanças nos estados em que o Movimento atua e luta não só pela Reforma Agrária, mas pela construção de um projeto popular para o Brasil, baseado na justiça social e na dignidade humana.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), por sua vez, surgiu em 1997 da necessidade de organizar a reforma hurbana e garantir moradia a todos os cidadãos, além de lutar por um modelo de cidade mais justa. Está organizado em vários Estados brasileiros. É um movimento de caráter social, político e sindical. O MTST é uma organização político popular autônoma com princípios, programa e forma de funcionamento próprios. Além do trabalho organizado de luta por moradia, o MTST mobiliza pessoas em bairros pobres organizando lutas e propondo soluções para problemas que afligem os bairros periféricos.
Compreendemos que os movimentos sociais possuem determinações concretas advindas das relações de exploração e dominação capitalistas. Relações estas que se desdobram em opressões de classe, raça/etnia, gênero, geração, entre outras.
Nesse sentido, para compreender os movimentos sociais, faz-se necessário compreender o terreno que os gera: a sociedade capitalista. A contradição fundante do sistema econômico vigente centra-se na relação antagônica entre capital e trabalho. Reside aí o cerne das mais variadas expressões das desigualdades, mola propulsora dos movimentos sociais.
Scherer-Warren (1987, p. 20) qualifica os movimentos sociais como:
[...] uma ação grupal para transformação (a práxis) voltada para a realização dos mesmos objetivos (o projeto), sob a orientação mais ou menos consciente de princípios valorativos comuns (a ideologia) e sob uma organização diretiva mais ou menos definida (a organização e sua direção).
Para nós, os movimentos sociais devem se constituir como vozes coletivas que teimem em gritar contra a barbárie capitalista nas suas múltiplas refrações. Para tanto, a sua “práxis”, o seu “projeto”, os seus “princípios valorativos” e a sua “organização e direção” devem estar voltados para a transformação radical da sociedade capitalista. Nestes termos, os movimentos sociais são sujeitos coletivos que surgem como sínteses das desigualdades sociais e sobre elas devem atuar numa perspectiva transformadora, o que exige a eliminação da raiz dessas desigualdades: a contradição entre capital e trabalho.
Essas reflexões nos levam a crer na necessidade de resgatar a perspectiva classista dos movimentos sociais, ou seja, eles devem ter como cerne e ponto comum a luta de classes.
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